quarta-feira, 14 de março de 2012

Não havia nada que ele não comentasse

Não havia nada que ele não comentasse.
O cheiro do café, o açúcar na tigela, a toalha mal estendida ou o avental amarrotado.
Dizia-se cheio de sonhos amaldiçoados e de vésperas vãs.
Trazia um remoinho com ele e um refrão desapropriado.
Não havia nada que ele não comentasse.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Ri... ri até não poderes mais
ri... sufoca a rir
ri até ficares vermelho
Ri até morreres
Ri
...Ri só
Soube um dia,
na entreposta razão
na silhueta disforme dos seus cabelos
que era meio dia na sua vida

Cântico Negro

"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

domingo, 13 de junho de 2010

O Mundo exagera mas a nossa partilha não. Sim, há retatractos confusos

Há histórias assim Que não são de cá.Até sentimos que não pertencemos aqui. Somos de outro lado qualquer .Como se até pudéssemos levitar sobre as coisas é uma passagem leve, breve, mas intensa do nosso corpo pelas coisas e depois a música... Que acompanha e transforma sentimentos que essa visão do mundo nos proporciona. Somos nós a viver o mais profundo que há.. o inesperado da vida. Mas acho que no fundo é ele que nos encontra e nós deixamos, ou não, apanhar-nos. Quase que consigo ver tudo isto. São flashes e depois há sítios.. tão claros. Rostos e no fim a tranquilidade e a música, sempre a música e eu que volto só.. mas cheia. É em momentos como este que apetece ir embora, só ir. E voltar não existe.. porque quem decide ir.. quando decidi ir.. É porque não há nenhum sítio para onde possa voltar. Há só flashes na nossa cabeça onde voltamos vezes sem conta. Mas esse são lugares na memória. Essa nostalgia virgem.

Insónias

Sonhei que sonhava
que sonhando
o sonho
me matava

quarta-feira, 5 de maio de 2010

No desespero dos dias

Há uma manhã entorpecida em toda a vida. Talvez hajam mais, mas menos entorpecidas e mais esmaecidas.
Há um barulho constante, descendente e imaginário no cerne da cidade menos sóbria e mais enlouquecida.
Só a orquestra assume esta inaudita sombra que uma corda que vibra, também diz.
Há um bocadinho de sangue em toda a vida, talvez haja mais, mas menos entorpecido e mais esmaecido.