terça-feira, 27 de abril de 2010

Na lezíria à tardinha

Há um pouco de tonteira, nesse piquenique idiota que insistes em fazer.
Dá um bonito retracto de família para a eternidade, dizes tu.
Como é que se congela aquilo que não existe.
Só se nos reinventássemos de novo, só, só, aliás, só.
Ainda assim, continuo a achar esse piquenique um desproposito imenso.
Mesmo que os rendilhados e que a louça fique bonita num retracto....
que não dura a vida inteira,
Mas, tu, só tu, na tua idiotice, podias acreditar que o nosso retracto de família ficaria para a eternidade.
Há um pouco de tonteira, nesse piquenique idiota que insistes em fazer.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Crimes exemplares

"Matei-o porque me doía a cabeça. E ele veio falar-me, sem descanso, de coisas para que eu me estava absolutamente nas tintas. É a verdade, embora elas também me tivessem podido interessar. Antes de o fazer olhei, ostensivamente, seis vezes para o relógio, ele não ligou nenhuma. Creio, no entanto, que é uma circunstância atenuante que deveria ser seriamente tida em conta."

sábado, 24 de abril de 2010

La Mirada

"La mirada se hunde en el paisaje con la conciencia clara de quien busca en él la transparencia, la visión sumergida, remota, de las cosas que fueron, el puro testimonio del aire en lo profundo. tus ojos llegan hasta el fondo del valle y respiran despacio el confuso silencio de este lugar consagrado a la delicia. Tu mirada respira donde late el sosiego, con la fuerza unánime de un murmullo vegetal que ya no puede abandonarse, porque germina en ti y de ti nace.

un estremecimiento desciende hasta tus párpados."

terça-feira, 13 de abril de 2010

Raúl Brandão - "Húmus"




"Trago comigo um pó capaz de doirar a própria eternidade. Não sei donde me vem, nem por que nome lhe hei-de chamar. Todas as noites sufoco diante do negrume - ele reanima-me. Insiste diante das forças desabaladas e da imagem da morte. Quero a vida! quero-a vulgar, tulmutuária e cega. Inerte não! inconsciente não! Tenho-lhe horror. (...)

_ Eu não vivi. Que importa, vais morrer! Para sempre, para todo o sempre, o mesmo buraco donde não sai rumor. Escuta isto: donde não sai rumor. Repete isto: para todo o sempre. Nenhuma explicação te é lícita, nenhuma transacção é possível. A morte não espera nem atende. É estúpida. Primeiro é estúpida, depois é incompreensível. É tremenda porque contém em si mistificação ou beleza. Absurdo ou uma beleza com que não posso arcar. O nada ou uma coisa que a minha imaginação não atinge. Se é o mistério, e se desvenda dum golpe, apavora-me. Se é o nada, repugna-me. Apenas um minuto, e lá em cima as mesmas estrelas, e outros vagalhões de estrelas... Para ela tanto vale um segundo como um século, carrega um ser inútil ou um ser delicado com a mesma indiferença para o túmulo. Tens passado a vida a esperá-la. Que outra coisa fizeste na vida senão esperar a morte? É a tua maior preocupação. Debalde arredamos: a vida não é senão uma constante absorção na morte. Então para que nasci? Para ver isto e nunca mais ver isto? Para adivinhar um sonho maior e nunca mais sonhar? Para pressentir o mistério e não desvendar o mistério? Levo dias, levo noites a habituar-me a esta ideia e não posso. Tenho-te aqui a meu lado. Nunca se cerra de todo a porta do sepulcro. Estou nas tuas mãos... Adeus sol que não te torno a ver, e água que te não torno a ver. Árvores, adeus árvores que minha mãe dispôs; adeus pedra gasta pelos teus passos e que meus passos ajudaram a gastar. Para sempre! Para todo o sempre! Tenho-te horror e odeio-te. Interrompes os meus cálculos. És o maior dos absurdos. Ver para não ver, ouvir para não ouvir, viver para morrer!..."