terça-feira, 13 de abril de 2010

Raúl Brandão - "Húmus"




"Trago comigo um pó capaz de doirar a própria eternidade. Não sei donde me vem, nem por que nome lhe hei-de chamar. Todas as noites sufoco diante do negrume - ele reanima-me. Insiste diante das forças desabaladas e da imagem da morte. Quero a vida! quero-a vulgar, tulmutuária e cega. Inerte não! inconsciente não! Tenho-lhe horror. (...)

_ Eu não vivi. Que importa, vais morrer! Para sempre, para todo o sempre, o mesmo buraco donde não sai rumor. Escuta isto: donde não sai rumor. Repete isto: para todo o sempre. Nenhuma explicação te é lícita, nenhuma transacção é possível. A morte não espera nem atende. É estúpida. Primeiro é estúpida, depois é incompreensível. É tremenda porque contém em si mistificação ou beleza. Absurdo ou uma beleza com que não posso arcar. O nada ou uma coisa que a minha imaginação não atinge. Se é o mistério, e se desvenda dum golpe, apavora-me. Se é o nada, repugna-me. Apenas um minuto, e lá em cima as mesmas estrelas, e outros vagalhões de estrelas... Para ela tanto vale um segundo como um século, carrega um ser inútil ou um ser delicado com a mesma indiferença para o túmulo. Tens passado a vida a esperá-la. Que outra coisa fizeste na vida senão esperar a morte? É a tua maior preocupação. Debalde arredamos: a vida não é senão uma constante absorção na morte. Então para que nasci? Para ver isto e nunca mais ver isto? Para adivinhar um sonho maior e nunca mais sonhar? Para pressentir o mistério e não desvendar o mistério? Levo dias, levo noites a habituar-me a esta ideia e não posso. Tenho-te aqui a meu lado. Nunca se cerra de todo a porta do sepulcro. Estou nas tuas mãos... Adeus sol que não te torno a ver, e água que te não torno a ver. Árvores, adeus árvores que minha mãe dispôs; adeus pedra gasta pelos teus passos e que meus passos ajudaram a gastar. Para sempre! Para todo o sempre! Tenho-te horror e odeio-te. Interrompes os meus cálculos. És o maior dos absurdos. Ver para não ver, ouvir para não ouvir, viver para morrer!..."

1 comentário:

  1. Ouve lá, isso é tudo Raul Brandão ou andas a dar na literatura, essa deusa louca que nos queima a alma e nos rasga as entranhas. Tem cuidado que é perigosa.

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